sonhei tanta coisa
aos 11 sonhava mais do que dormia
tinha total consciência da sortuda que eu era, família enorme, eu a penúltima
tudo era festa, todas as festas eram alegres e cheias da vontade de viver e morrer de tanto rir
minha mãe era a autêntica anfitriã, era a rainha mãe, ela era a sinhá e a cozinheira, a elaboradora e a que dava as ordens, ela era que mandava começar e parar, ela era demais!
meu pai era sua cara metade, as vezes entojado e querendo dormir, "desquerendo" tanto arranjo, tanta mesa, tantos salamaleques, mas estava lá , pronto pra atender aos desejos do necessário pro festejo ser completo, que dava pra todos nós e os agregados, colegas e etc...
e eu era uma porra de uma sonhadora maluca
e eu era uma maluca sem limites
sonhava em morar na américa, pintar quadros em paris, morar num barco na holanda, me hospedar em um hotel em veneza, um que entrasse água e que me prendesse lá dentro junto com outros hóspedes e nos obrigasse a falar cada um em sua língua natal, transformando veneza numa babel salpicada de verdes cintilantes no vociferado salivático!
sonhava que morava em atlanta, e que cantava em um night club, e era pretinha de coque e que cantava que nem diana ross (na época eu achava que era moreninha, não sabia que era a própria pretinha que idealizava). sonhava que ia morar em nova york num prédio que vira em um filme e que tinha um terraço que dava direto pro empire state building, sonhava que ia morar em chicago que ia andar de bicicleta no noroeste californiano e que ia passar alguns anos nas praias da carolina do norte.
sei lá, só sei que sonhava!
sonhei que ia ser jovem pra sempre e que o tempo ia me dar tempo pra perder tanto tempo fazendo besteira e ainda ia fazer tudo isso antes dos 30.
às vesperas dos 60 percebo que não lamento toda essa mistura de sonho e ilusão, e que de outra maneira eu mesma nem seria a pessoa que sou, melancólica na medida exata, saudosa de um jeito honesto, intranquila conforme a situação deixa, só que não! sou amante dos que cativo, me percebo do jeito que aos 20 anos escolheria ser, com todas as frustrações e com todas as conquistas que ainda posso ter. filhos formados, adoráveis, honestos com si próprios, de esquerda (graças a deus).
me percebo mais focada, menos desiludida, mais inconformada, menos medrosa, ainda bastante covarde, paciência, eu não poderia ser perfeita.
hoje se pudesse teria mais amigos e mais dinheiro, menos bagagem!
que eu sonhei, ah, isso ninguém tira de mim a quantidade!
sim, sonhara!